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O consumo de bebidas alcoólicas em voos é uma prática comum, especialmente em viagens longas. No entanto, estudos mostram que essa prática pode representar riscos à saúde devido à combinação do álcool com as condições específicas da cabine da aeronave.

Um estudo1 realizado pelo Instituto de Medicina Aeroespacial do Centro Aeroespacial Alemão investigou os efeitos do consumo moderado de álcool em condições simuladas de voo. O objetivo foi analisar como a combinação do álcool com as condições específicas da cabine da aeronave, como baixa pressão e menor oxigenação, impactam a saúde e o bem-estar, especialmente durante o sono.

Os participantes passaram por duas noites experimentais: em uma, consumiram álcool antes de dormir; na outra, não houve consumo. As sessões foram realizadas tanto em condições simuladas de voo quanto ao nível do mar. Os resultados mostraram que aqueles que consumiram álcool apresentaram maior frequência de hipóxia (níveis reduzidos de oxigênio no sangue) e aumento da frequência cardíaca durante o sono. Além disso, a combinação de álcool e baixa pressão atmosférica intensificou os efeitos negativos já conhecidos, como a redução da qualidade do sono e da saturação de oxigênio.

Como o álcool afeta o organismo durante o voo:

  1. Desidratação: O álcool contribui para a desidratação, que já é agravada pela baixa umidade dentro das aeronaves.

  2. Redução da oxigenação: O estudo aponta que o consumo de álcool em condições de baixa pressão (simulando a altitude de cruzeiro) reduz significativamente a saturação de oxigênio no sangue (SpO2), podendo levar a períodos prolongados de hipóxia (oxigenação abaixo de 90%).

  3. Alterações cardiovasculares: O álcool combinado com a hipobaricidade2, que é a redução da pressão atmosférica em altitudes elevadas, aumenta a frequência cardíaca, impondo maior esforço ao sistema cardiovascular.

  4. Impacto no sono: Embora o álcool facilite o início do sono, ele reduz as fases profundas, tornando o descanso menos reparador. Além disso, o álcool pode prejudicar a respiração durante o sono, aumentando a incidência de apneia e episódios de ronco, o que contribui para o agravamento dos sintomas de fadiga ao final do voo.3

Recomendações:

  1. Evitar o consumo de álcool antes e durante o voo: Essa prática ajuda a prevenir desidratação, hipóxia e cansaço excessivo.

  2. Manter-se hidratado: Beber bastante água é essencial para minimizar os efeitos da baixa umidade na cabine.

  3. Priorizar o descanso: Evite substâncias que possam interferir na qualidade do sono, como álcool, café e outras bebidas ricas em cafeína, especialmente em voos longos.

Esses cuidados são particularmente importantes para indivíduos com condições pré-existentes, como doenças respiratórias ou cardiovasculares.4 Sensibilizar passageiros sobre os riscos associados ao consumo de álcool durante o voo pode ser uma medida eficaz para melhorar a segurança e o conforto das viagens aéreas.

 

 

Estudo realizado em adolescentes na Austrália apontou que intervenção  baseada em traços de personalidade mostra eficácia na prevenção do consumo de álcool entre adolescentes, com benefícios duradouros até o início da vida adulta.

O uso nocivo de álcool é um fator de risco conhecido para diversas formas de comportamento impulsivo e violento, incluindo suicídio. Um estudo observacional conduzido no Brasil analisou a relação entre níveis de álcool no sangue e casos de suicídio em municípios da região metropolitana de São Paulo, revelando associações entre o consumo de álcool e mortes por suicídio.

 

Um estudo recente1 com dados do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo (IML-SP) e publicado na revista Forensic Science, Medicine and Pathology investigou a relação entre o consumo de álcool e suicídios em quatro municípios da Grande São Paulo: Franco da Rocha, Caieiras, Mairiporã e Francisco Morato. A pesquisa analisou dados de 805 necropsias realizadas entre 2001 e 2017, das quais 41 casos foram identificados como suicídio. O objetivo foi avaliar a presença de álcool no sangue dos indivíduos e sua possível influência no ato suicida.

Os resultados mostraram que 92,68% das vítimas de suicídio apresentaram concentrações elevadas de álcool no sangue (acima de 0,3 mg/dl), com médias particularmente altas em casos de enforcamento (2,3 mg/ml). Além disso, os dados indicaram que a maioria das vítimas era do sexo masculino (85,36%), predominantemente jovens adultos entre 18 e 23 anos. Entre as mulheres, a faixa etária mais afetada foi de 12 a 23 anos, destacando um padrão preocupante de vulnerabilidade entre adolescentes.

Os pesquisadores também observaram que o uso de métodos mais letais, como armas de fogo e objetos cortantes, estava associado a níveis mais elevados de álcool no sangue. Esses achados reforçam a hipótese de que o consumo nocivo de álcool pode aumentar a impulsividade e reduzir as inibições contra comportamentos autodestrutivos.

Com base nos achados, algumas recomendações são importantes:

  1. Prevenção e conscientização: Programas de prevenção ao suicídio devem incluir estratégias para tratar o uso nocivo de álcool, especialmente entre adolescentes e jovens adultos, que são grupos de maior risco.
  2. Restrição ao acesso a meios letais: Medidas como o controle de acesso a armas de fogo, pesticidas e medicamentos neurotrópicos podem reduzir a letalidade dos métodos utilizados em tentativas de suicídio.
  3. Uso de biomarcadores periféricos: A triagem de indivíduos com ideação suicida utilizando biomarcadores periféricos (substâncias biológicas em fluidos corporais que indicam processos fisiológicos, doenças ou respostas a tratamentos) pode ser uma ferramenta valiosa para identificar aqueles em risco.
  4. Proteção em espaços públicos: Construções como viadutos e pontes devem ser projetadas com medidas de segurança para prevenir quedas intenciona

Essas recomendações são particularmente relevantes para regiões com alta desigualdade socioeconômica, onde o consumo de álcool e os índices de suicídio tendem a ser mais elevados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza que a prevenção do uso nocivo de álcool é um fator importante que pode contribuir significativamente para a redução das taxas de suicídio.

 

 

 

Como amenizar a ressaca?

Fevereiro 28, 2025

Não existem remédios para a ressaca, porém é possível sim amenizar os sintomas.

Além da quantidade consumida, seus hábitos também podem influenciar na gravidade da ressaca do dia seguinte.

 

Assista ao vídeo para saber mais! 

 

 

A relação entre o consumo de álcool e o desenvolvimento de transtornos relacionados apresenta um panorama surpreendente. Contrariando o que se poderia esperar, dados globais de 2020 revelam que países com maior consumo médio per capita nem sempre registram as maiores taxas de transtornos por uso de álcool. O Brasil, com consumo de 7,7 litros per capita e prevalência de 2,5% de transtornos, exemplifica como os padrões de consumo e o acesso ao tratamento podem ser mais determinantes que o volume total ingerido.

 

Os países que mais bebem em média são os que apresentam maiores problemas relacionados ao uso de álcool? Dados  do Global Burden of Disease mostram que não. Países europeus como França e Reino Unido, com consumo superior a 10 litros per capita anuais, apresentam taxas de transtornos comparáveis às do Brasil, que consome significativamente menos, ou seja, 7,7 litros per capita anuais. Em contrapartida, nações como Guatemala, Cazaquistão e Mongólia registram prevalências significativamente mais altas de transtornos, mesmo com consumos médios inferiores moderados.

O gráfico abaixo evidencia a ausência de correlação entre o consumo médio de álcool (consumo per capita) e a prevalência de transtornos relacionados ao uso da substância.

 

Figura 1. Proporção da população com transtorno do uso de álcool vs. consumo médio de álcool, 2020

 

Padrões de consumo: o verdadeiro fator de risco

O que explica essa aparente contradição é que o padrão de consumo tende a exercer maior influência no desenvolvimento de transtornos do que o volume total. O consumo de grandes quantidades concentrado em ocasiões específicas ("binge drinking") apresenta potencial consideravelmente maior para causar problemas, incluindo a dependência, do que o consumo moderado distribuído ao longo do tempo, mesmo quando o volume total anual é semelhante.

No Brasil, estudos epidemiológicos identificaram uma prevalência significativa do padrão de consumo intenso, particularmente entre jovens adultos e em contextos festivos, o que contribui para a taxa de transtornos observada. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, aproximadamente 20% dos brasileiros que consomem álcool adotam o padrão de consumo considerado abusivo.

Acesso ao diagnóstico e tratamento

Outro fator determinante para compreender as disparidades entre os países é a capacidade dos sistemas de saúde para diagnosticar adequadamente e oferecer tratamento para transtornos relacionados ao álcool. Países com sistemas de saúde mais estruturados podem apresentar dados mais precisos sobre a prevalência desses transtornos.

No Brasil, apesar dos avanços do Sistema Único de Saúde (SUS) e da implementação dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD), ainda existem desafios consideráveis na cobertura e qualidade dos serviços especializados, especialmente em regiões mais remotas e vulneráveis. Estima-se que menos de 10% das pessoas com transtornos relacionados ao álcool recebam tratamento adequado.

Fatores socioculturais e vulnerabilidades

A influência de fatores socioculturais é evidente quando analisamos diferentes tradições relacionadas ao consumo de álcool. Em países mediterrâneos, onde o consumo está tradicionalmente integrado às refeições familiares, observam-se menores taxas de transtornos em comparação com culturas onde predomina o consumo recreativo intenso.

Estudos científicos destacam que, além do padrão de consumo, elementos como idade de início, contexto social e fatores de vulnerabilidade socioeconômica influenciam significativamente o desenvolvimento de transtornos por uso de álcool, independentemente do volume total consumido. A Organização Mundial da Saúde, em seu relatório global sobre álcool e saúde de 2018, confirma que a idade precoce de início do consumo e condições socioeconômicas desfavoráveis estão entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos relacionados ao álcool, além dos padrões de consumo de alto risco.

Implicações para políticas públicas

A ausência de correlação direta entre volume de consumo e prevalência de transtornos tem implicações importantes para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Intervenções focadas exclusivamente na redução do volume total podem não atingir os resultados esperados na diminuição dos transtornos.

Para o Brasil, os dados reforçam a necessidade de políticas que considerem as particularidades dos padrões de consumo nacionais, com ênfase na redução do consumo intenso e na promoção de hábitos mais moderados. Campanhas de conscientização sobre os riscos do "binge drinking", especialmente direcionadas aos jovens, combinadas com o fortalecimento das redes de atenção à saúde mental, representam estratégias promissoras para a redução dos danos relacionados ao álcool no país.

Considerações finais

A análise dos dados globais de 2020 sobre consumo de álcool e prevalência de transtornos demonstra que a medida do consumo per capita é insuficiente para compreender e monitorar a prevalência de problemas relacionados ao álcool e que outros fatores são decisivos para se compreender os impactos da substância, como acesso a tratamentos, padrões de consumo e vulnerabilidades socioeconômicas. As estratégias mais eficazes para redução dos danos relacionados ao álcool devem, portanto, combinar medidas para modificação de padrões prejudiciais de consumo com a ampliação do acesso a serviços de diagnóstico e tratamento adequados, considerando as particularidades culturais e socioeconômicas de cada população.

 

 

As diferenças no padrão de consumo podem influenciar como a pessoa lida com suas emoções e até certos traços de personalidade. A seguir, exploramos evidências científicas recentes que mostram como pessoas que bebem moderadamente diferem emocionalmente daquelas que fazem uso abusivo de álcool, considerando regulação emocional, traços de personalidade e fatores individuais envolvidos.

 

Regulação Emocional e Manejo do Estresse

Por que algumas pessoas conseguem consumir álcool de forma moderada, sem ter problemas, ao passo que outras têm dificuldades de lidar com a substância? Uma diferença importante entre beber moderadamente e abusar do álcool está na capacidade de regulação emocional – ou seja, como a pessoa gerencia sentimentos como estresse, tristeza ou raiva. Estudos indicam que indivíduos que consomem álcool de forma abusiva tendem a ter mais dificuldade em lidar com emoções negativas sem beber, em comparação com quem bebe moderadamente.1 Muitas vezes, quem bebe em excesso utiliza o álcool como “válvula de escape” para tensões do dia a dia, o que aponta para uma regulação emocional menos eficiente. De fato, pesquisa com pessoas em tratamento por dependência do álcool mostrou que elas apresentam maiores déficits na habilidade de tolerar sentimentos negativos do que indivíduos que bebem socialmente.1 Por outro lado, consumidores moderados geralmente não dependem do álcool para enfrentar emoções difíceis – eles costumam empregar outras estratégias de enfrentamento, mantendo melhor equilíbrio emocional sem precisar se embriagar. Vale notar também que o uso abusivo pode piorar as emoções no longo prazo: após episódios de bebedeira, é comum surgirem sintomas como ansiedade elevada, irritabilidade e humor deprimido durante a ressaca. 2 

Traços de Personalidade e Impulsividade

Além de afetar como lidamos com as emoções, o padrão de consumo de álcool também se relaciona a traços de personalidade. Pessoas que fazem uso abusivo de álcool frequentemente exibem traços como maior impulsividade e busca de sensações intensas, bem como uma tendência a experimentar humores negativos com mais frequência. Pesquisas recentes apontam que consumidores pesados de álcool, em média, tendem a ser menos conscienciosos (ou seja, menos disciplinados e organizados) e menos agradáveis (podendo demonstrar mais hostilidade), além de apresentarem níveis mais altos de neuroticismo – traço ligado à instabilidade emocional e propensão à ansiedade e oscilações de humor.3 Em outras palavras, quem abusa do álcool costuma ser mais impulsivo e emocionalmente reativo. Por exemplo, alguns estudos mostram que tanto bebedores moderados quanto alguns bebedores pesados tendem a ser um pouco mais extrovertidos em comparação a abstêmios, buscando socialização, mas os bebedores abusivos se diferenciam por essa impulsividade elevada e menor autocontrole, que pode levá-los a exceder os limites seguros de consumo.3 Esses traços de personalidade impulsivos podem predispor ao consumo exagerado e, ao mesmo tempo, ser agravados pelo hábito de beber em excesso, criando um ciclo negativo.

 

Padrão de Uso e Dose: Efeitos Emocionais Diferentes

O efeito do álcool nas emoções também varia conforme a dose ingerida e o padrão de uso. Em doses baixas a moderadas, o álcool costuma ter efeito desinibidor leve e ansiolítico, ou seja, pode reduzir a tensão e favorecer uma sensação de relaxamento e bem-estar momentâneo. Há evidências de que o uso moderado aumenta emoções positivas e a sensação de vínculos sociais – as pessoas ficam mais descontraídas e socialmente engajadas após pouco álcool.4 Não é à toa que, em contextos sociais, quem bebe moderadamente relata se sentir mais alegre ou sociável. No entanto, esse efeito tem um limite. À medida que a dose de álcool aumenta (no uso abusivo), os efeitos podem se tornar prejudiciais: doses altas de álcool podem gerar mudanças bruscas de humor, aumento de agressividade ou reações emocionais exageradas. Estudos com jovens adultos mostram que episódios de bebedeira intensa trazem mais consequências negativas – como arrependimentos, discussões ou comportamentos de risco – sem necessariamente aumentarem as sensações positivas.5 

Em resumo, abstêmios ou quem consome álcool de forma moderada tendem a apresentar maior equilíbrio emocional, usando a bebida em contextos sociais e demonstrando mais controle sobre seus impulsos. Já o uso abusivo está associado a maior dificuldade na regulação emocional, impulsividade e oscilações de humor. Essas diferenças são influenciadas tanto pela dose ingerida quanto por características individuais, como a forma de lidar com o estresse. Manter a moderação ajuda a proteger não só a saúde física, mas também o bem-estar emocional.


 

 

A formação de hábitos relacionados ao consumo de álcool transcende questões puramente individuais, refletindo complexas interações entre fatores neurobiológicos, contextos socioculturais e determinantes socioeconômicos. Pesquisas recentes indicam que, embora comportamentos saudáveis estejam associados a menores riscos de consumo problemático, apenas 3% a 12,3% das disparidades em saúde relacionadas ao status socioeconômico podem ser explicadas por escolhas de estilo de vida. Isso sugere que abordagens efetivas para a prevenção de transtornos por uso de álcool devem considerar tanto os mecanismos neurobiológicos de formação de hábitos quanto os determinantes sociais mais amplos.

 

A análise integrada dos estudos recentes sobre consumo de álcool, formação de hábitos e contextos socioculturais revela uma teia complexa de fatores que influenciam o desenvolvimento de padrões de consumo e potenciais transtornos. Uma meta-análise publicada por Giannone e colaboradores (2024) demonstra como comportamentos inicialmente orientados por objetivos podem progressivamente se transformar em hábitos automáticos com o consumo crônico, tornando-se menos sensíveis a consequências negativas.

Da escolha consciente ao comportamento habitual

A transição de um comportamento voluntário para um hábito automático não ocorre de maneira abrupta, mas sim de forma gradual e probabilística. Evidências de estudos em humanos e modelos animais indicam que o álcool pode acelerar a formação de hábitos quando comparado a outras recompensas, como alimentos. Este processo neurobiológico ajuda a explicar por que, mesmo diante de consequências adversas evidentes, algumas pessoas mantêm padrões prejudiciais de consumo.

Em indivíduos com histórico de uso intenso de álcool, observam-se alterações significativas nos processos de tomada de decisão, com menor engajamento em controle baseado em metas e maior propensão ao comportamento habitual. É importante destacar que, em estágios avançados, esse processo pode evoluir para a compulsividade, definida como a persistência do uso mesmo diante de punições ou consequências adversas claramente identificáveis.

Contextos socioculturais como determinantes

Para além dos mecanismos neurobiológicos, Sudhinaraset e colaboradores (2016) demonstram que o uso problemático de álcool resulta da interação entre influências sociais, culturais e ambientais. Fatores macro, como marketing e políticas públicas, interagem com elementos comunitários, como a disponibilidade de bebidas alcoólicas, e aspectos relacionais, como hábitos familiares e influência de pares.

Esta perspectiva social-ecológica é particularmente relevante para compreender as vulnerabilidades específicas de determinados grupos populacionais. Minorias étnicas e imigrantes, por exemplo, podem enfrentar maior exposição a contextos de risco, como discriminação e estresse de adaptação cultural. Paradoxalmente, a manutenção de determinadas tradições culturais de origem pode atuar como fator protetivo em alguns casos, destacando a complexidade dessas interações.

Estilo de vida, status socioeconômico e saúde

Um estudo de coorte conduzido por Zhang e colaboradores (2021), analisando dados de mais de 440 mil adultos nos Estados Unidos e Reino Unido, revelou que, embora estilos de vida não saudáveis sejam mais prevalentes em grupos com menor status socioeconômico (SES), apenas uma pequena fração (3% a 12,3%) da associação entre SES e desfechos negativos em saúde pode ser explicada por esses comportamentos.

Este achado tem implicações profundas para as políticas de saúde pública: promover estilos de vida saudáveis, embora benéfico em todos os estratos sociais, não é suficiente para eliminar as disparidades de saúde associadas às desigualdades socioeconômicas. Curiosamente, dados do UK Biobank (um amplo banco de dados prospectivo com informações de saúde de aproximadamente 500.000 participantes do Reino Unido) sugerem que o efeito protetor de hábitos saudáveis pode ser ainda mais pronunciado em participantes com menor SES, indicando potenciais janelas de oportunidade para intervenções direcionadas.

Implicações para políticas públicas e intervenções

A compreensão multidimensional dos fatores que influenciam o consumo de álcool tem implicações diretas para o desenvolvimento de políticas públicas e intervenções clínicas mais efetivas. Abordagens que considerem apenas a quantidade total de álcool consumida ou que foquem exclusivamente em escolhas individuais de estilo de vida, sem considerar os determinantes socioeconômicos e contextuais, terão eficácia limitada.

Para o Brasil, onde aproximadamente 18% dos consumidores de álcool adotam padrões de consumo de alto risco, estratégias integradas que abordem simultaneamente os diversos níveis de influência apresentam maior potencial para redução de danos.

Considerações finais

A relação entre estilo de vida, fatores socioeconômicos e consumo de álcool evidencia a necessidade de uma perspectiva ampliada sobre saúde pública. A formação de hábitos relacionados ao álcool não pode ser compreendida apenas como resultado de escolhas individuais, mas como produto de interações complexas entre neurobiologia, contexto social e determinantes estruturais.

Intervenções eficazes devem, portanto, combinar abordagens direcionadas à modificação de hábitos individuais com políticas mais amplas que abordem os determinantes sociais da saúde. Para o campo da pesquisa, permanece o desafio de desenvolver modelos que capturem adequadamente a complexidade destas interações e traduzam esse conhecimento em estratégias práticas, culturalmente sensíveis e socialmente equitativas.
 

 

O consumo frequente de álcool representa um impacto econômico significativo para os sistemas de saúde, gerando custos adicionais substanciais e demandando políticas públicas específicas para sua redução. Um estudo recente conduzido na Coreia do Sul identificou aumentos importantes nos custos com saúde associados ao consumo frequente de bebidas alcoólicas.

 

Um estudo recente 1, realizado na Coreia do Sul, analisou dados de uma coorte longitudinal composta por 62.965 adultos entre 40 e 69 anos, com o objetivo de investigar os custos adicionais de saúde associados ao consumo frequente de álcool. Utilizando informações coletadas pelo Serviço Nacional de Seguro de Saúde da Coreia (NHIS-NSC), o estudo acompanhou os participantes ao longo de uma década, permitindo uma avaliação detalhada dos custos relacionados a diferentes níveis de consumo de álcool em longo prazo.

Os resultados destacaram que o consumo frequente de álcool acarreta um impacto econômico significativo nos custos com saúde. Homens que consumiam álcool quase diariamente apresentaram gastos 21,4% mais altos em comparação aos não consumidores. Entre as mulheres, o impacto foi ainda mais expressivo, com um aumento de 31,8%, correspondendo a gastos adicionais anuais de até 433 dólares para mulheres e 284 dólares para homens.

O estudo também mostrou que a frequência do consumo tem um papel crucial nos custos. Entre homens, o consumo moderado (1 a 2 vezes por mês ou semana) esteve associado a custos menores em comparação aos não consumidores. No entanto, conforme a frequência aumentava para 3 ou mais vezes por semana, os gastos com saúde cresceram de maneira expressiva.

Esses achados enfatizam a relevância de políticas públicas focadas na redução do consumo frequente e excessivo de álcool para aliviar os encargos financeiros nos sistemas de saúde.

Com base nos achados, algumas recomendações práticas são importantes:

  1. Reforçar campanhas educativas sobre os riscos econômicos e de saúde relacionados ao consumo frequente e excessivo de álcool.
  2. Implementar programas preventivos e intervenções específicas para grupos que consomem álcool quase diariamente.
  3. Promover estratégias para o consumo responsável, principalmente entre grupos vulneráveis, como mulheres e adultos mais velhos.

 

 

A recaída é um fenômeno complexo e um desafio substancial no tratamento do transtorno por uso de álcool (TUA). Apesar dos avanços em tratamentos psicológicos e medicamentosos, uma parte considerável dos indivíduos volta a consumir álcool após um período de abstinência. Estimativas apontam que até 60 a 70% das pessoas podem recair nos primeiros seis meses após o tratamento.1 Entender o que caracteriza uma recaída, quais fatores aumentam esse risco e como preveni-la é essencial para promover uma recuperação mais duradoura.

O que é a recaída - e como ela se diferencia de um lapso?

Embora muitas vezes usados como sinônimos, recaída e lapso representam situações diferentes no processo de recuperação. Lapso é um episódio isolado de consumo de álcool, que pode ocorrer durante a recuperação, mas não implica necessariamente o retorno ao padrão de consumo anterior. Já a recaída é entendida como um processo mais amplo, que envolve o retorno a um padrão problemático e sustentado de consumo.

Estudos destacam que a recaída deve ser analisada tanto como um evento discreto (por exemplo, qualquer consumo de álcool após um período de abstinência) quanto como um processo mais complexo, influenciado por diversos fatores ao longo do tempo. Essa distinção é importante, pois nem todo lapso leva à recaída – e reconhecer isso pode ajudar a evitar sentimentos de fracasso que desmotivam a continuidade do tratamento.

Fatores que aumentam o risco de recaída

Pesquisa aponta fatores específicos que elevam significativamente o risco de recaída.1 Um deles é a anedonia, ou seja, a dificuldade em sentir prazer nas atividades do dia a dia. Pessoas com altos níveis de anedonia apresentam maior chance de voltar a beber após o tratamento. Outro fator importante é o tabagismo: indivíduos que continuam fumando durante o tratamento para o TUA têm mais risco de recaída do que ex-fumantes ou não fumantes .

Além disso, o tempo de abstinência antes do início do tratamento também tem papel relevante. Pessoas que haviam parado de beber há menos tempo antes de iniciar o tratamento mostraram maiores taxas de recaída ao longo dos meses seguintes.

Um estudo que monitorou indivíduos em tempo real, por meio da Avaliação Ecológica Momentânea (EMA), mostrou que o estresse cotidiano é um gatilho direto para recaídas.3 Participantes que relataram níveis elevados de estresse tinham maior probabilidade de consumir álcool nas horas seguintes, indicando que o estresse atua como um disparador imediato — e não apenas como um fator de risco geral. A pesquisa também observou que, à medida que o estresse aumentava ao longo do dia, crescia também o desejo de beber, sugerindo que o álcool pode ser utilizado como forma de aliviar tensões momentâneas, o que reforça o risco de recaída.

 

 

Prevenção: o que funciona?

A prevenção da recaída envolve estratégias que atuam sobre os fatores de risco citados. Intervenções que incluem o tratamento de sintomas depressivos (como a anedonia), o incentivo à cessação do tabagismo e o fortalecimento de habilidades de enfrentamento diante de situações de estresse são especialmente eficazes. O apoio contínuo após o fim do tratamento formal também é fundamental, ajudando a identificar sinais precoces de risco e evitar que um lapso evolua para uma recaída completa. Compreender a recaída como um processo – e não apenas como um “fracasso” – permite que profissionais e pacientes construam juntos planos mais realistas, empáticos e ajustados às necessidades individuais.

A recaída no transtorno por uso de álcool é um fenômeno comum e multifacetado, que pode ser prevenido com estratégias baseadas em evidências. Compreender a diferença entre um lapso e uma recaída, identificar fatores de risco como anedonia, tabagismo e baixa abstinência prévia, e oferecer suporte contínuo são passos fundamentais para uma recuperação mais sólida. Recaídas não significam o fim do caminho – com o suporte certo, é possível retomar a trajetória de sobriedade com confiança e consciência.



 

 

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