Um novo estudo analisa como o cérebro de homens e mulheres diagnosticados com transtorno por uso de álcool respondem a estímulos estressantes e a gatilhos para o consumo de álcool. As diferenças encontradas são surpreendentes!
Pesquisas sugerem que o estrogênio pode influenciar o consumo excessivo de álcool entre as mulheres. Um estudo publicado na Nature Communications mostra como esse hormônio afeta vias cerebrais, em camundongos do sexo feminino, ligadas à motivação e ao estresse, apontando para um possível mecanismo biológico que pode aumentar a vulnerabilidade feminina ao álcool.
O consumo excessivo de álcool entre as mulheres tem aumentado nos últimos anos. E apesar de o uso abusivo de álcool causar sérios danos à saúde de qualquer pessoa, o álcool impacta a saúde das mulheres de maneira significativa devido a diferenças biológicas e fisiológicas em relação aos homens. [Saiba mais em Álcool e a Saúde Feminina]
Alguns estudos têm mencionado que os fatores hormonais, como o estrogênio por exemplo, podem impulsionar comportamentos relacionados ao álcool1-3. Com base nisso, um estudo publicado na revista Nature Communications4 investigou como o estrogênio poderia regular o comportamento de consumo de álcool em fêmeas de camundongos e quais vias cerebrais e moleculares estariam envolvidas nesse processo.
Para investigar o papel do estrogênio no consumo excessivo de álcool nas fêmeas, os pesquisadores observaram o consumo de álcool ao longo do ciclo estral (semelhante ao ciclo menstrual em humanos) e aplicaram o protocolo Drinking in the Dark (DID), que simula episódios de bebedeira. Além disso, realizaram manipulações hormonais, administrando estrogênio e bloqueadores seletivos dos receptores estrogênicos alfa (ERα) associados à membrana, responsáveis por uma ação hormonal rápida e não-genômica. Por fim, usaram técnicas de eletrofisiologia para avaliar a atividade de neurônios CRF (corticotropina – peptídeo envolvido na resposta ao estresse) no núcleo da estria terminal (BNST), a fim de identificar como essa via hormonal influencia a excitação neuronal e o comportamento de busca por álcool.
Os resultados do estudo demonstraram que o estrogênio exerce influência direta e significativa sobre o comportamento de consumo excessivo de álcool nas fêmeas de camundongos. Foi observado que, durante as fases do ciclo estral em que os níveis de estrogênio estavam mais elevados, as fêmeas apresentaram um aumento marcante na ingestão de etanol, sugerindo uma relação entre os picos hormonais e a vulnerabilidade ao consumo compulsivo. Quando o estrogênio foi administrado de forma exógena, o consumo também aumentou, confirmando essa associação. Por outro lado, o bloqueio dos receptores estrogênicos ERα, reduziu esse comportamento. Além disso, o estrogênio aumentou a atividade de neurônios CRF na BNST, região do cérebro ligada ao estresse e à motivação, indicando que essa via hormonal contribui diretamente para o comportamento de busca por álcool.
Podemos aplicar estes achados às mulheres?
Embora os achados deste estudo em camundongos ofereçam pistas importantes sobre como o estrogênio pode influenciar o consumo excessivo de álcool em fêmeas, é preciso cautela ao aplicar essas conclusões diretamente às mulheres.
Modelos animais são fundamentais para entender mecanismos biológicos, mas não refletem toda a complexidade das experiências humanas, que envolvem fatores sociais, emocionais e culturais, principalmente no que se refere ao consumo de álcool. Além disso, o estudo analisou apenas os efeitos agudos do estrogênio em uma região específica do cérebro, deixando em aberto como esse hormônio pode atuar em contextos de uso crônico ou em associação a outras variáveis humanas.
Ainda assim, os resultados obtidos sugerem um possível mecanismo biológico que pode ajudar a explicar a maior vulnerabilidade das mulheres aos efeitos nocivos do álcool. Por isso, esses achados reforçam a necessidade de mais pesquisas com mulheres, que investiguem o papel dos hormônios sexuais na motivação para o consumo de álcool, ajudando no desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes e sensíveis às diferenças de gênero.
O estrogênio desempenha um papel fundamental nas respostas neurobiológicas ao álcool em mulheres. Evidências recentes mostram que flutuações hormonais ao longo do ciclo menstrual e ao longo da vida podem influenciar a sensibilidade ao álcool, o padrão de consumo e os riscos associados ao seu uso.
Estudos pré-clínicos e clínicos indicam que o estrogênio amplifica os efeitos da dopamina em áreas cerebrais relacionadas ao sistema de recompensa, como o corpo estriado e o córtex pré-frontal. Isso pode aumentar a vulnerabilidade das mulheres ao desenvolvimento de transtornos por uso de álcool, especialmente em fases da vida com altos níveis estrogênicos, como durante o ciclo ovulatório, gravidez ou terapia hormonal.1
O estradiol é um hormônio esteroide, especificamente um estrogênio, produzido principalmente nos ovários em mulheres e em menor quantidade nos testículos em homens. Estudos indicam que o consumo de álcool pode aumentar os níveis de estradiol em mulheres, efeito observado tanto em mulheres em idade reprodutiva quanto em mulheres na pós-menopausa. Alguns estudos mostram que mulheres que consomem uma ou mais doses de álcool por dia apresentam níveis mais elevados de estradiol em comparação àquelas que consomem menos, especialmente quando os níveis hormonais são avaliados durante a fase lútea do ciclo menstrual.2,3 Em contrapartida, mulheres com transtorno por uso de álcool em tratamento ou em abstinência precoce frequentemente apresentam níveis mais baixos de estradiol do que mulheres sem transtorno.4
Altos níveis de estradiol parecem aumentar a vulnerabilidade das mulheres ao uso de álcool. O hormônio influencia regiões cerebrais envolvidas na recompensa, como o corpo estriado e o núcleo accumbens. Um estudo conduzido por Martel et al. (2017), com 22 mulheres em idade reprodutiva, mostrou que níveis mais altos de estradiol estavam associados a maior consumo de álcool e episódios de binge drinking. Essa associação foi mais forte quando os níveis de estradiol estavam altos e os de progesterona baixos, um padrão hormonal típico da fase ovulatória do ciclo menstrual.5
Embora as evidências atuais apontem para uma interação relevante entre os níveis de estradiol e o uso de álcool em mulheres, os mecanismos fisiológicos subjacentes ainda não são completamente compreendidos. Ainda são necessários estudos experimentais e longitudinais para elucidar como o estradiol influencia a neurobiologia da recompensa e da vulnerabilidade ao uso de álcool, bem como os efeitos do álcool sobre a função endócrina em diferentes fases da vida da mulher.
Veja também Estrogênio e Álcool: os hormônios femininos podem influenciar o consumo de álcool em mulheres?
A menopausa é a fase da vida da mulher marcada pelo fim natural da menstruação e da fertilidade, devido à queda dos níveis hormonais, especialmente do estrogênio. Evidências científicas recentes apontam que o consumo de álcool durante essa fase pode interferir em sintomas como ondas de calor, humor e saúde mental, além de acelerar a perda óssea e aumentar riscos cardiovasculares, como hipertensão e arritmias. O álcool também pode interferir nos efeitos da terapia hormonal, elevando os riscos de complicações, como câncer de mama, por exemplo. Descubra como o álcool pode impactar a saúde da mulher durante a menopausa.
Efeitos do álcool nos sintomas da menopausa
Ondas de calor (fogachos): Estudos observacionais apresentaram resultados mistos, alguns associam o consumo de álcool a mais fogachos, outros não encontram relação clara ou até sugerem menos fogachos com consumo leve/moderado.1 Em um estudo de coorte com mais de 4.000 mulheres coreanas na fase pré-menopáusica, aquelas que consumiam ≥20 g de álcool por dia (aproximadamente 2 ou mais doses padrão) apresentaram um risco 1,7 a 2,2 vezes maior de desenvolver fogachos e sudorese noturna moderada a grave, comparadas às abstêmias. Os autores concluíram que evitar o consumo de álcool pode ajudar a prevenir sintomas vasomotores em mulheres próximas da transição menopáusica.1
Humor e saúde mental: A menopausa é um período de maior vulnerabilidade a alterações de humor e depressão, e o consumo pesado de álcool tende a agravar esses sintomas. Beber em excesso está associado a piora da depressão e ansiedade, e mulheres menopausadas que bebem pesado têm risco substancialmente maior de depressão, chegando a ser 2 a 7 vezes mais propensas a desenvolver depressão do que homens com alcoolismo.2 A busca pelo álcool para lidar com estresse ou humor negativo pode aumentar durante a transição menopáusica, dada a ocorrência de sintomas psicológicos e estressores sociais nessa fase, reforçando a necessidade de cautela e suporte para mulheres que começam a beber mais para aliviar o mal-estar emocional.3
Sono: O consumo de álcool, especialmente à noite, pode comprometer a qualidade do sono, aspecto frequentemente afetado na menopausa. Estudos mostram que o álcool reduz a proporção de sono REM e aumenta despertares noturnos, exacerbando o cansaço diurno e o mal-estar emocional.4
Relação entre consumo de álcool e saúde óssea e cardiovascular durante a menopausa
Saúde óssea: Consumos leves a moderados parecem ter efeito neutro ou até ligeiramente benéfico sobre a densidade mineral óssea (DMO) de mulheres pós-menopáusicas. Uma meta-análise de 2022 (11 estudos, aproximadamente 47 mil indivíduos) mostrou que mulheres que bebem até 1–2 doses de álcool por dia apresentam DMO do quadril e da coluna superiormente à de abstêmias.5 Por outro lado, o consumo excessivo traz prejuízo significativo: o mesmo estudo de 2022 identificou que a partir de quase 3 doses diárias o risco de fratura osteoporótica cresce acentuadamente. Mulheres ingerindo 3 drinques/dia tiveram risco cerca de 33% maior de fratura de quadril (e quase 59% maior com 4 drinques/dia) em comparação às não consumidoras. Contudo, os resultados devem ser interpretados com cautela devido a limitações como possível viés de causalidade reversa, heterogeneidade entre os estudos incluídos (em termos de métodos de aferição da DMO e classificação do consumo de álcool), e potencial influência de fatores confundidores não controlados, como dieta, atividade física, uso de terapia hormonal e tabagismo.5
Saúde cardiovascular: Após a menopausa, o risco cardiovascular feminino aumenta (pela perda do estrogênio protetor), e o papel do álcool nessa condição tem sido muito investigado. O consenso atual de algumas entidades, como a American Heart Association,6 é que pequenas quantidades de álcool não trazem risco cardiovascular, mas doses maiores rapidamente eliminam qualquer benefício e passam a aumentar o risco de hipertensão, arritmias, AVC e miocardiopatia.
Impacto do álcool em terapias hormonais ou tratamentos para menopausa
O metabolismo hormonal e o álcool interagem de formas importantes na pós-menopausa. O álcool é conhecido por elevar os níveis circulantes de estrogênios endógenos. Estudos mostraram que mulheres pós-menopáusicas que consomem álcool exibem estradiol mais alto, devido ao aumento da aromatização periférica e redução do catabolismo do estrogênio no fígado.7 Essa ação pode potencializar os efeitos das terapias hormonais usadas na menopausa. De fato, uma revisão destacou que o consumo de álcool pode aumentar as concentrações de estradiol em mulheres que fazem terapia de reposição estrogênica. Esse aumento hormonal induzido pelo álcool levanta preocupação, pois pode atenuar a eficácia de tratamentos anti-hormonais (por exemplo, em sobreviventes de câncer de mama que tomam medicamentos para o tratamento como os inibidores de aromatase) e pode amplificar riscos associados à reposição hormonal, como o risco de câncer de mama.8 Mesmo em mulheres que não fazem terapia hormonal, o consumo regular de álcool já foi associado a aumento do risco de câncer de mama, possivelmente por elevação dos níveis de estrogênios circulantes e geração de metabólitos carcinogênicos.9
Há orientações para o consumo de álcool entre mulheres na menopausa?
Por fim, vale citar um achado recente interessante: o padrão de consumo moderado de álcool associou-se a um leve atraso na menopausa natural. Uma análise prospectiva de 2021 encontrou uma ligação fraca porém significativa entre consumo moderado de álcool (10–14,9 g/dia), especialmente de vinho branco, e menor risco de menopausa precoce (antecipação antes dos 45 anos).10 Mulheres que se enquadraram nessa categoria tiveram cerca de 19% menos risco de menopausa precoce em comparação com mulheres que não bebiam, ingestões mais altas de álcool não conferiram essa vantagem. Os autores interpretaram que resultados semelhantes já haviam sido observados em outros estudos sobre idade menopausal e álcool, sugerindo que doses baixas podem ter influência hormonal que retarde ligeiramente o esgotamento ovariano. Embora esse achado seja intrigante do ponto de vista biológico, não se trata de recomendação para beber, apenas mais um dado epidemiológico sobre a complexa relação entre álcool e transição menopausal.
Apesar de o consumo de álcool poder ter implicações importantes para a saúde na menopausa, ele frequentemente não é abordado em consultas com mulheres maduras, seja por suposição de abstinência ou por falta de triagem sistemática. No entanto, profissionais de saúde são orientados a não presumir abstinência nessa população e a utilizar instrumentos de rastreamento, como o questionário AUDIT, para identificar padrões de uso de risco. Promover diálogos abertos sobre o uso de álcool com mulheres nessa fase, informar de forma clara o que é considerado consumo moderado e seguro, no máximo 1 dose (10 g de álcool) por dia para mulheres, e esclarecer os limiares de consumo excessivo pode contribuir para melhores decisões sobre saúde e qualidade de vida durante a menopausa.
O álcool é uma substância que atravessa facilmente a barreira placentária e, no puerpério, é transferido para o leite materno em concentrações próximas às da circulação materna, atingindo pico plasmático–lácteo entre 30 e 60 min após a ingestão. Durante a gestação, essa exposição está vinculada a malformações permanentes e déficits neurocognitivos de longo prazo. No contexto da amamentação, ingestões elevadas ou frequentes podem reduzir a produção e a ejeção do leite, alterar o sono do lactente e prejudicar seu crescimento e desenvolvimento.
No período gestacional, a diretriz do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) é categórica: não existe quantidade segura de álcool; a recomendação é abstinência total em todas as fases da gravidez.
Já na amamentação, as orientações divergem em grau de permissividade. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) adota o princípio da precaução e indica que o consumo ideal é zero; admite-se, porém, um drinque ocasional se a mãe aguardar o tempo necessário para eliminação do álcool antes de oferecer o peito. O Ministério da Saúde endossa essa postura conservadora: além de desencorajar qualquer ingestão frequente, orienta suspender temporariamente a amamentação caso o consumo seja regular.
Nos Estados Unidos, tanto os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) quanto a American Academy of Pediatrics (AAP) adotam uma abordagem controlada. Consideram mais seguro evitar o álcool, mas permitem até uma dose-padrão por dia (≈ 14 g de álcool – dose padrão no país), desde que a mãe aguarde pelo menos duas horas por dose antes da próxima mamada. Ingestões superiores a duas doses ao dia são desencorajadas, pois elevam o risco de efeitos adversos para o bebê.
Para a lactante que decida ingerir álcool, algumas medidas reduzem o risco de exposição infantil: planejar as mamadas ou a ordenha antes de beber; dispor de leite previamente estocado para cobrir o intervalo de espera; contar rigorosamente as doses e respeitar o período mínimo de duas horas por dose; e garantir que outro cuidador sóbrio assuma tarefas como banho, transporte ou cama compartilhada enquanto houver efeitos do álcool.
Em síntese, gestantes devem manter abstinência. Lactantes, se seguirem a orientação brasileira, devem evitar ou restringir ao mínimo possível o consumo; se optarem pela referência norte-americana, estão limitadas a um drinque ocasional, com espera mínima de duas horas antes de amamentar. Qualquer consumo acima desse limiar, especialmente em episódios binge, ou seja, de consumo intenso, exige suspensão temporária da amamentação e consulta ao pediatra para individualizar a conduta.