O álcool faz parte da cultura humana desde o começo dos registros escritos e quase toda sociedade que faz uso de álcool apresenta problemas sociais e de saúde relacionados ao consumo desta substância. A industrialização da produção e a globalização do marketing do álcool geraram um aumento global do seu consumo, concomitante ao aumento dos prejuízos relacionados ao seu uso.
Atualmente, esse crescimento tem sido alvo de preocupação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual vem buscando uma série de estratégias com a intenção de reduzir o uso nocivo do álcool. Nesse sentido, uma recente revisão publicada na renomada revista The Lancet procurou quantificar o total de mortes e doenças atribuíveis ao uso de álcool, tanto em termos globais quanto especificamente para dez grandes países, entre eles o Brasil.
Os achados revelam que existe uma grande variação ao redor do mundo da média mundial de consumo de álcool por adultos ao ano (6,2 L de etanol). Os países com as maiores médias de consumo pertencem ao Leste Europeu, em torno da Rússia, junto com outras áreas da Europa (11,9 L). A região das Américas vem em logo seguida, com médias de 8,7 L.
Em 2004, 3,8% de todas as mortes no mundo foram atribuídas ao uso de álcool, variando entre os sexos (6,3% para homens e 1,1% para mulheres), diferença esta que é um indicador da discrepância existente no padrão de beber entre homens e mulheres adultos por todo o mundo (estima-se que 45% dos homens e 66% das mulheres sejam abstêmios, a maioria durante toda a vida).
A maior parte das mortes ocasionadas pelo consumo de álcool faz parte das categorias relacionadas às injúrias, cânceres, doenças cardiovasculares e cirrose hepática. Os possíveis efeitos benéficos do consumo de álcool em baixas doses também foram avaliados pelo presente estudo, o qual encontrou que a maioria das mortes prevenidas pelo uso moderado de álcool pertenciam à categoria das doenças cardiovasculares.
De uma maneira geral, a proporção de mortes atribuíveis ao álcool cresceu desde 2000, devida em grande parte ao aumento no número de mulheres que fazem uso de álcool. Os indivíduos menores de 60 anos foram os que apresentaram a maior proporção de mortes atribuíveis ao álcool (7,9% para homens e 1,9% para mulheres), com grande relevância para as injúrias ocasionadas pelo álcool, enquanto os efeitos benéficos do álcool foram detectados em sua maioria nos grupos compostos por indivíduos mais velhos.
No ano de 2004, o uso do álcool foi responsável por 4,6% da carga global de doenças e injúrias no mundo, sendo que a maioria dessas doenças ocorreu em indivíduos com idade entre 15-29 anos (33,6% de todos os anos de vida perdidos ajustados por incapacidade - DALY - atribuíveis ao álcool), seguidos por aqueles com 30-44 anos (31,3%) e 45-59 anos (22%). No Brasil, com relação aos prejuízos ocasionados pelo álcool, as injúrias possuem um efeito proporcionalmente maior entre os homens, enquanto nas mulheres os transtornos relacionados ao uso de álcool são mais prevalentes.
Por fim, os autores ainda calcularam os custos econômicos diretos e indiretos ocasionados pelo uso de álcool em alguns países de alto e médio poder aquisitivo. Os resultados revelaram que os custos econômicos foram substanciais para os dois grupos de países, chegando a U$837 dólares per capta por ano nos EUA em 2007 e U$524 na Coréia do Sul. O fator que mais contribuiu na composição do custo econômico atribuído ao uso de álcool foi a perda por produtividade, seguido por gastos na saúde, entre outros.
Em conclusão, o efeito global do álcool na carga global de doenças é similar ao ocasionado pelo tabagismo em 2000, sendo mais agravante ainda em países em desenvolvimento. As estimativas ainda mostram que esse efeito não tem diminuído, e provavelmente tem aumentado nos últimos anos. Os dados aqui apresentados podem ser de extrema valia para a abordagem estratégica deste problema com medidas efetivas para o controle das consequências nocivas do uso de álcool.