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Advogado. Mestre em direito penal e criminologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em direito penal pela Universidad de Salamanca. Pós-graduado em direito penal econômico e europeu pela Universidade de Coimbra. Conselheiro deliberativo do CISA.
1. Quais as principais implicações da “nova Lei Seca” (Lei nº 12.760), sancionada em dezembro de 2012?
A chamada nova lei seca nasceu, basicamente, com o mesmo intuito da lei seca anterior, a Lei 11.705/08: o de recrudescer o tratamento jurídico de pessoas que conduzam veículos após a ingestão de bebida alcoólica ou outra substância de efeitos psicoativos. A ênfase principal se dá sobre motoristas consumidores de álcool, que representam um problema significativo no trânsito brasileiro, e as medidas gravosas trazidas pela lei se encontram tanto em âmbito administrativo, com multas pesadas, quanto em âmbito penal e processual penal, pois, tendo-se abandonado índice mínimo de concentração de álcool no sangue para a caracterização do crime de embriaguez ao volante, ampliou-se o alcance da norma, ao mesmo tempo passando-se a permitir a utilização de um número maior de meios de prova em relação à redação anterior do crime. Por outro lado, a lei acrescentou um novo elemento que constitui requisito à caracterização do crime: passou-se a requerer a "alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool", circunstância que, evidentemente, precisa ser provada na investigação criminal para que se possa responsabilizar alguém.
2. Com a possibilidade de novas provas, como testemunhos e vídeos, na prática o “bafômetro” (etilômetro) ainda permanece como principal ferramenta para comprovar que o indivíduo encontra-se sob os efeitos do álcool?
Sim, o etilômetro permanece sendo um importante instrumento de fiscalização e meio de obtenção de prova. Na verdade, eu diria que por meio da utilização do etilômetro é possível obter um importante indício - ou prova indireta - da ocorrência do delito, na medida em que verifica a graduação de álcool expelido pelos pulmões do condutor, mas, se faz prova da ingestão de álcool, não o faz da "alteração da capacidade psicomotora" atribuível a essa ingestão. Assim, a demonstração da ocorrência do crime, em todos os seus elementos, requer prova da ingestão do álcool adicionada de outras provas igualmente importantes, até mesmo essenciais, como testemunhos fidedignos da afetação da capacidade psicomotora do condutor e a realização do exame clínico, aquele realizado por médico especializado. Vale lembrar que o etilômetro, assim como exames de sangue e urina, somente pode ser utilizado com o consentimento expresso do condutor, e cabe ao policial ou ao fiscal de trânsito alertá-lo disso, sob pena de se violarem a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos, o que, além de desrespeitar o direito do condutor, acaba por prejudicar a própria investigação, na medida em que contamina a prova de ilicitude, tornando-a imprestável.
3. Em sua opinião, a nova Lei será eficaz na redução dos altos índices de acidentes no trânsito decorrentes do uso de bebidas alcoólicas? Quais as limitações?
Sou bastante cético quanto à potencial eficácia de médio e longo prazo de alterações legislativas como as empreendidas pela Lei 11.705/08 e a Lei 12.760/12, "antiga" e "nova" lei seca. As razões desse ceticismo são muitas, e é difícil explicá-las em poucas palavras; mas tentarei. Em primeiro lugar, é de se ver que ambas as leis foram feitas apressadamente, no calor de fatos determinados e índices de acidentes em épocas específicas, que tiveram grande repercussão midiática... invariavelmente, leis penais feitas com pressa acabam apresentando problemas sérios, e isso aconteceu nitidamente com a Lei 11.705/08, cuja aplicação no Judiciário se revelou difícil ante suas inconstitucionalidades, e o resultado foi que o legislador tornou o crime de embriaguez ao volante muito mais difícil de ser provado do que na redação anterior, que a meu ver era bastante adequada, e já tinha pena suficientemente elevada - tanto que não foi modificada. De outra parte, uma mera alteração legislativa acaba sendo apenas um símbolo, um instrumento de propaganda dos poderes Executivo e Legislativo, que o utilizam para comunicar à sociedade que estão preocupados e que estariam trabalhando para reduzir os terríveis números de acidentes com vítimas no trânsito brasileiro, quando, em verdade, apenas lavaram as mãos diante da necessidade - muito mais premente e tendencialmente eficaz, porém muito mais trabalhosa - de se implantarem políticas públicas de prevenção, de educação para o trânsito, de engenharia de trânsito, e mesmo de manutenção de ruas, avenidas e estradas, de sinalização, etc., que certamente teriam resultados melhores. É claro que ambas as leis, logo após aprovadas, tiveram impacto na diminuição de acidentes, mas isso não se deveu exatamente às mudanças legislativas, mas sobretudo aos esforços de fiscalização que vieram junto com a propagada das "leis secas" então recém-aprovadas; meses depois, os índices de acidentes voltaram a crescer, à medida que a fiscalização se reduziu - esses fatores podem ser observados por nós com muita clareza quando vemos os números de junho de 2008 (a Lei 11.705 é de 19 de junho) até 2012, e, agora que a Lei 12.760 está para comemorar seu primeiro aniversário, podemos começar a observar esse fenômeno. Que faremos diante da persistência dos acidentes e mortes? Não podemos recrudescer a legislação todos os anos, ad infinitum... nem o próprio direito penal permite isso, pois, do contrário, logo haverá quem proponha a loucura de apenar mais severamente o condutor que tomou algumas cervejas, ainda que não tenha provocado acidente algum, do que um homicida ou assaltante. Alterar leis com frequência nunca é sinal de boa política. É preciso que a fiscalização seja intensa sempre, e que não haja meras campanhas transitórias, mas políticas permanentes de prevenção de acidentes em âmbito federal, estadual e municipal, contemplando todas aquelas searas anteriormente citadas. Para isso, não é preciso alterar a lei: as campanhas de fiscalização que vieram com a Lei 11.705 e com a Lei 12.760 não precisariam de nenhuma delas para existir, e teriam dado resultados semelhantes sem elas; bastaria ao Poder Público cumprir a legislação já existente.