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Após a desvalorização do peso argentino (moeda local), os cenários social e político pioraram significativamente, com consequente vulnerabilidade social e quebra das finanças.
Houve aumento nos índices de criminalidade e no sentimento de insegurança da população. Como principais consequências, houve aumento de 73% no custo de vida entre os meses de janeiro e outubro de 2002, abandono por parte da população da prática de atividades recreativas e esportivas e impacto na saúde tanto física quanto mental da população. O papel de provedor da renda familiar, que tradicionalmente era do homem, passou a ser redefinido.
Naquilo que tange o consumo de bebidas alcoólicas, as mudanças também foram marcantes. A Argentina é tradicionalmente, em termos mundiais, um dos maiores produtores per capita de vinho, com produção mediana de destilados e baixa de cerveja. Contudo, nas últimas duas décadas o consumo de vinho caiu mais da metade e o consumo de cerveja aumentou de maneira dramática, com respectivo aumento na percepção de problemas relacionados ao álcool. Segundo dados do primeiro estudo epidemiológico sobre o uso de substâncias psicoativas na Argentina, o índice de consumo abusivo de álcool atingiu a cifra de 13,2% e de dependência foi de 4,3% da população.
Os objetivos do estudo foram analisar as relações entre o sexo, uso de álcool e crise econômica em uma amostra da população da província Argentina de Buenos Aires.
A amostra foi constituída de maneira aleatória por homens e mulheres da cidade e da província de Buenos Aires, atingindo um total de 1000 entrevistas. A entrevista contou com questionário que incluía perguntas sobre o consumo de álcool, o contexto de uso e problemas sociais e pessoais associados.
Houve um total de 1000 entrevistas realizadas, com 47,7% de homens e 52,3% de mulheres na amostra. A distribuição de idade ficou disposta da seguinte maneira:
18–29 anos, 39.8%; 30–44 anos, 28.2%; 45 anos ou mais, 32.0%. Desse total, 18,2% estavam desempregados no momento da entrevista por um período médio de 18 meses; 54,0% dos entrevistados apresentaram uma renda média classificada como muito baixa ou baixa, enquanto 16,0% apresentaram renda considerada média, 16,5% apresentaram renda média-alta e alta e 10,2% não souberam responder a pergunta.
O estudo encontrou 84,5% de consumidores de bebidas alcoólicas nos últimos doze meses em sua amostra. O consumo foi mais frequente e mais intenso entre homens jovens (18-29 anos); 11,6% dos consumidores de bebidas alcoólicas preencheram critério para uso problemático de álcool; 9,9% dos bebedores relataram problemas sociais em decorrência desse uso, com destaque para problemas de relacionamento, problemas no emprego e brigas durante o uso de bebidas alcoólicas.
Mais da metade da amostra (53,3%) concordou com a idéia de que na situação de crise, os argentinos passaram a beber mais como uma forma de esquecer seus problemas. Constatou-se também mudanças no estilo de vida dos entrevistados, com alterações no padrão de consumo de bebidas alcoólicas. Houve migração no uso de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes para o ambiente residencial e consumo maior de bebidas baratas e de baixa qualidade. No contexto familiar, a mulher apresentou mais frequentemente forte discurso de cunho moral “não beba”.
Os autores concluem o estudo afirmando haver na amostra um aumento na percepção do consumo de bebidas alcoólicas como forma de fuga de problemas, com migração do ambiente de bares e restaurantes para o contexto do lar e com o uso de bebidas mais baratas e de qualidade inferior.